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Família e suicídio: reflexões sobre a dor de quem fica 

O luto é um processo natural em relação a perda de um ente querido que envolve um conjunto de reações


7 de outubro de 2022 por
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Por: Bianca Lopez

O luto é um processo natural em relação a perda de um ente querido que envolve um conjunto de reações emocionais, físicas, comportamentais e sociais que surgem como resposta a essa perda, seja ela através da morte, quebra de um vínculo afetivo, uma perda real ou imaginária.  Ele é um processo existencial, sem tempo linear, que exige ser vivido e, em alguma instância, todos nós teremos de encará-lo em nossas vidas. Mas, você já pensou em como pode ser o processo de luto para aqueles e aquelas que perderam alguém importante devido ao suicídio?  

De acordo com Ministério da Saúde (2019), entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, sendo esses números cada vez mais crescentes. Consequentemente, as marcas traumáticas que perpassam e penetram o seio da sociedade e, principalmente, das famílias e amigos daqueles que tiraram sua própria vida, precisam ser enxergados e validados, para que assim possamos juntos favorecer o aparato indispensável de acolhimento e posvenção (cuidados necessários após o suicídio de alguém, de modo a prevenir novos episódios de suicídios). 

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Te convido neste momento para refletirmos um pouco sobre esses enlutados, pois, por diversas vezes, devido aos inúmeros preconceitos, os familiares e amigos acabam sendo julgados ao invés de acolhidos pela sociedade e pessoas próximas, sendo desautorizadas ou não reconhecidas em seu processo de luto, em vista do pensamento preconceituoso de que estes poderiam ter se atentado mais aos sinais, ter ofertado mais cuidado e atenção para com aquele (a) que faleceu, como pessoas culpadas.  

No entanto, é válido lembrarmos que o suicídio é de ordem multicausal, que os aspectos culturais, sociais, históricos, genéticos, econômicos, emocionais, cognitivos e afins, precisam ser levados em consideração. Entendo que tanto os familiares, quanto a sociedade, buscam respostas para a decisão daquele que se foi, acarretando em um imerso sentimento de culpa por aqueles que eram próximos a ele.   

A situação da família no tocante a perda por suicídio é tão delicada, dolorosa e difícil que estes acabam sendo nomeados como sobreviventes. Os sobreviventes podem vivenciar inicialmente um processo de “estado de choque” por não esperarem o respectivo ato, desesperando-se e apresentando dificuldades em lidar com a situação, de modo a tentar buscar entender o ocorrido; em um segundo momento, acabam por terem de viver com o sofrimento da perda e sua repercussão, que são as mais diversas; e a partir de uma lida saudável, ainda que dolorosa, tentar reconstruir a vida. Sentimentos de vergonha, culpa, tristeza, solidão, desamparo, descrença, abandono, saudade e raiva podem acabar fazendo parte desse processo. Por vezes, sentem raiva do falecido por não ter escolhido a vida ao invés da morte, ou até por acharem que o falecido não pensou neles quanto tomou tal decisão.  

Torna-se inegável que a partida do ente querido, de forma tão violenta, gera traços traumáticos que tem a capacidade de desestruturar e desorganizar todo um contexto familiar, para além dos fatores individuais, sendo um aspecto marcante e inapagável, que possivelmente exigirá a adaptação e mudanças de papeis desses membros para uma nova dinâmica familiar. Enfatiza-se também, a dificuldade ainda maior daquele ou daquela que presencia a cena da morte, o qual dificilmente conseguirá esquecer.   

Portanto, é importantíssimo que nós venhamos nos sensibilizar com este fenômeno e prestarmos o acolhimento, a solidarização, a escuta paciente, sem julgamentos, uma vez que os sobreviventes sofrem ainda mais em razão de terceiros não os escutarem, reconhecerem, compreenderem e acolherem seu sofrimento pela perda, optando por se silenciarem a se afastarem de seus próximos para que não *sintam-se atacados.  

Neste contexto, destaca-se a importância das redes de apoio de familiares e amigos, de igual modo a ajuda especializada de profissionais da saúde, em especial a (o) psicóloga (o), grupos de apoios de pessoas que vivenciam o mesmo quadro podem ser fatores que auxiliarão no processo de luto e a própria elaboração da configuração do novo papel na dinâmica familiar frente a perda da pessoa e da inexatidão do que se perdeu também.    

O luto precisa ser vivido à maneira do enlutado, e vivenciá-lo, pode ser, conforme Maria Homem, o arco dramático da possibilidade de existir sem aquela pessoa ou apesar dela. Nós não somos independentes do outro, somos com e entre pessoas e relações, logo, quando alguém parte, algo de nós parte junto com ele. Assim, o processo de luto pode se tornar a reconstrução e ressignificação do vínculo que agora se torna um vínculo simbólico, dentro de você. O que você aprendeu a partir daquele e daquela que se foi? O que levo comigo daquela pessoa e relação?  

As autoras Fukumitsu e Kovács (2016) revelam em suas pesquisas que é possível, dentro do processo de luto por suicídio, que os sobreviventes na busca do sentido de viver apesar do sofrimento, podem alcançar caminhos para “transformar vergonha em permissão, culpa em compaixão, saudade em apropriação das vivências, dor em amor e sofrimento em altruísmo.” 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:  

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim epidemiológico. n. 24. 2019. 

DUTRA, Kassiane et al. Vivenciando o suicídio na família: do luto à busca pela superação. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 71, p. 2146-2153, 2018. 

FUKUMITSU, Karina Okajima; KOVACS, Maria Júlia. Especificidades sobre processo de luto frente ao suicídio. Psico (Porto Alegre). Porto Alegre. 2016. 

ROCHA, Priscila Gomes; LIMA, Deyseane Maria Araújo. Suicídio: peculiaridades do luto das famílias sobreviventes e a atuação do psicólogo. Psicologia Clínica, v. 31, n. 2, p. 323-344, 2019. 

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