Selecione uma das opções:

A consciência como uma pequena parte de nós 

Independente se temos consciência ou não de nossos atos, ações e comportamentos, somos responsáveis por eles


18 de novembro de 2022 por
Compartilhe:

Psicóloga Bianca B. Pan Lopez, graduanda em Psicanálise.  

CRP 12/22421 

Se torna comum lermos ou ouvirmos nas redes sociais, nos livros, nas propagandas, nos informativos, televisões e rádios, no senso comum, a palavra “consciência”, até porque a discussão e busca de compreensão sobre ela já era dialogada desde muito antes de Cristo, e se estende até os dias atuais. Este termo vem da junção de duas palavras no latim “cum” e “scio” que seria “eu sei/ eu conheço”¹. Frequentemente presenciamos projetos de conscientizações, em que além de trazer informações, visa alcançar a consciência do outro como se este fenômeno não fosse pertencente a singularidade do sujeito, o qual somente ele mesmo possui a capacidade de se autoconscientizar. 

📰 LEIA TAMBÉM:

A significativa relevância que se atribui a consciência se faz notória na famosa frase de Descartes, 1637, “penso, logo existo”, como que a partir da racionalidade, do saber, que se firma a identidade humana, dando lugar para diversas correntes de pensamentos de continuação a valorização da consciência, sendo esta considerada essencial para os fenômenos mentais. Aliás, você já refletiu sobre a consciência? Será que é a partir dela que se firma a identidade humana?   

A consciência humana pode ser entendida em seus sentidos mais amplos, como dotado de elementos como atenção, percepção, aspectos cognitivos e psicológicos, raciocínio, pensamento, linguagem, emoções, sensações e afins. Bem como, pode ser observada a partir do aspecto mais filosófico, como uma atividade sensível e intelectual que possui o poder de análise e síntese, em que traz as representações de objetos através de juízos e valores por meio da avaliação, interpretação e compreensão. O sujeito se reconhece como diferente dos objetos, então cria ou descobre significações, lhes atribui sentidos, conceitos, ideias, juízos e teorias, ou seja, é o sujeito do conhecimento (CHAUI, 2006)². Com isso, diversas são as formas de enxergarmos e descrevermos os aspectos conscientes e, de modo semelhante, podemos direcionar a consciência para variados fatores, como: consciência financeira, ecológica, corporal, religiosa, de classe, política, etc. Vale lembrar que a consciência é de e para algo, logo, a partir da compreensão de uma questão, podemos seguir para outros saberes.   

Porém, a luz da psicanálise, viés que estarei enfatizando nesse texto, entende a consciência como uma parte, uma instância, do aparelho psíquico, o qual se dividirá em: consciente, pré-consciente e inconsciente. Como forma de elucidar, imagine um grande iceberg, em que ao ser olhado sobre a superfície da água apresenta-se como uma pequena geleira, no entanto, ao conseguirmos olhar por debaixo das águas, temos a dimensão de sua profunda grandeza. Pois bem, a consciência é como essa pequena parte que está exposta acima das águas. O pré-consciente como uma faixa pequena que está debaixo das águas. Já o inconsciente seria a maior porção dessa estrutura, que diga-se de passagem, encontra-se escondida aos olhos, precisando de grandes esforços para ser trazidos à luz.  

Como sujeitos complexos, os estudos psicanalíticos, em geral, observam que as vezes alguns desejos ou compreensões são demasiadamente hostis e insuportáveis para a nossa aceitação, então, como forma de nos protegermos do mundo, do outro e de nós mesmos, por vezes transferimos, introjetamos, projetamos, negamos ou distorcemos a realidade, isto é, nossa estrutura psíquica joga lá para o inconsciente, para que assim, consigamos lidar com as situações e condições adversas que somos acometidos. Entretanto, apesar de estar no inconsciente, essas instâncias não desaparecem, pelo contrário, continuam a reverberar em nós. Portanto, a maioria das nossas escolhas não são tomadas de maneira consciente, mas, quem rege a maior parcela de nossas decisões é o inconsciente. Nada é do nada, tudo tem um sentido para fazemos, nos comportarmos, desejarmos, odiarmos, etc.  

Desde a nossa concepção e nascimento, através do convívio com quem nos gerou, do nosso núcleo familiar, escola, amigos, vizinhos e as demais pessoas, com o ambiente e contexto histórico e cultural, vamos construindo noções e representações de relações, família, amizade, prazeres e desprazeres, objetos, profissões, enfim, tudo o que entramos em contato. Com base nisso, em um movimento contínuo, vamos desenvolvendo nosso ser subjetivo, que a partir das relações que tivemos contato e conhecemos, vamos criando nossas representações e nos tornando singulares em nosso jeito de ser e existir, visto que cada relação, vivência e experiência, apesar das similaridades, são únicas, assim, nos tornamos sujeito únicos também.  

Você já se percebeu ou conhece alguém que chamamos de “dedo podre”? Aquela pessoa que independente do parceiro ou parceira que escolhe, é sempre alguém que não a respeita, agride, trai e parece que a pessoa não consegue sair disso? Ou conhece alguém que por mais que a pessoa se esforce não consegue agir diferente, em todos os relacionamentos que têm acaba terminando da mesma maneira, muda o cenário, mas não muda o ciclo? E, ao perguntar para essas pessoas o motivo de tais escolhas elas não sabem responder? É nesse lugar que entendemos uma das maiores manifestações do inconsciente.  

Neste campo, assumimos a posição de que não nos conhecemos tão bem assim como expectamos ou queremos, que nem sempre conhecemos nossos gostos, desejos, motivações, angústias e sofrimentos. A análise torna-se um recurso potente para este processo, uma vez que é ela que nos proporciona um ambiente de escuta ativa e qualificada, para que consigamos encontrar recursos e subsídios dentro de nós mesmos para entender a forma como nos protegemos do mundo através dos mecanismos de defesas, e até mesmo como nos enxergamos e julgamos nossos desejos, prazeres e desprazeres, com o potencial de direcioná-los à um sentido mais nobre quando possível, como no caso de alguém que apresenta um desejo latente pela agressividade, e encontra na luta, com regras estabelecidas e socialmente aceitas, um lugar para seu extravasar. É poder estar em contato consigo mesmo dentro de uma perspectiva de cuidado, acolhimento e liberdade, apesar de ser um processo doloroso.   

Cabe destacar que independente se temos consciência ou não de nossos atos, ações e comportamentos, somos responsáveis por eles, e com a análise somos capazes de identificar com maior precisão a natureza e origem de nossas formações psíquicas antes inconscientes, e ao torná-las consciente, favorecemos decisões mais coerentes e assertivas conosco e nossos desejos.   

Sem a pretensão de isentarmo-nos ou nunca mais sentirmos dor e sofrimento, a análise surge como a possibilidade de existir e usufruir do bem-estar apesar do sofrimento, tornando suportáveis as condições que atropelam e geram incompreendida tortura e angústia. É recordar, repetir, elaborar, dar significados e ressignificar, entender-se para melhor se relacionar consigo mesmo e com o outro. Por fim, é a cura que é atravessada e desdobrada através da riqueza da linguagem, segundo Lacan.  

Referências bibliográficas:  

DE OLIVEIRA, Rafaela Vieira; MENDONÇA, Helenides. O conceito de inconsciente na obra de Freud. 2022. 

¹ KLEM DE MATTOS, Marselle Soares S.; SILVA, Gabriel Pereira da; GAMA, Renato Faria da. O Problema da Consciência: por Onde Começar o Estudo?. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 43, p. 175-180, 2019. 

² SILVA, Ingrid Fabiana de Jesus. Ciência da informação, filosofia e consciência. Universidade Federal de Sergipe (UFS). 2014. 

Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Mais Lidas

0
Clique aqui e comente.x
× Participar ao vivo