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O comportamento violento e o gênero masculino são inseparáveis?  

Não nascemos sujeitos morais e éticos, mas, vamos aprendendo o “certo” e “errado” conforme somos orientados e conduzidos


11 de novembro de 2022 por
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Psicóloga Bianca B. Pan Lopez, graduanda em Psicanálise.  

CRP 12/22421 

Não somos sujeitos isolados no mundo, somos com e entre relações, isto é, torna-se difícil separar o que é nosso do que é do outro, pois sempre que falamos de ou sobre algo, falamos de um lugar, a partir das nossas vivências, experiências e relações. Enquanto bebês ainda não temos o recurso da linguagem verbal, assim, antes de falarmos sobre nós mesmos, alguém falou primeiro, “ele é tão esperto”, “como ela é calma”, “como ele é agitado” e assim vai. É então apoiado na visão do outro que vamos moldando a nossa visão acerca de nós mesmos. Porém, quando crescemos e nos desenvolvemos, ao adquirir a habilidade da linguagem verbal, é que entra nossa responsabilidade: através do processo de amadurecimento, somos capazes de contarmos e narrarmos sobre nós mesmos e nossa história, embora ainda o falamos dentro de um determinado contexto.  

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Sabendo disso, não nascemos sujeitos morais e éticos, mas, vamos aprendendo o “certo” e “errado” conforme somos orientados e conduzidos. Então, dialeticamente, o “eu” se constrói pela sociedade, e a sociedade é formada pelos “eus” que dependem de um contexto histórico e cultural¹. Por conseguinte, esses aprendizados não pertencem a uma verdade absoluta, portanto, são e devem ser questionados. Por isso, te convido a reflexão sobre: o gênero masculino e o comportamento violento, são condições inseparáveis?   

A partir das construções sociais, nasce a noção e representação de homem e mulher, feminino e masculino. Nesse movimento, aprendemos e vamos introjetando essas compreensões, de modo a formarmos nossa identidade de gênero, implicando na maneira como enxergo a mim e ao outro dentro de seus papeis sociais. Diante disso, algo que não é novidade para ninguém, é que se atribuiu ao corpo visto como feminino a representação do vulnerável, fraco, inferior ao corpo entendido como masculino, e por isso, passível de dominação. Oposto a isto, o corpo do homem tornou-se mais bem respeitado e melhor aceito na sociedade. A representação do homem como forte, viril, racional e provedor, por ser aquele que trabalha fora do lar e fornece o mantimento da casa, por vezes, este se vê no direito de ser dono da casa e, além de proprietário de objetos materiais, se considera também dono do corpo e da mulher.¹  

O comportamento agressivo na população masculina por vezes é correlacionado com os fatores biológicos, exclusivamente por causa do hormônio da testosterona onde no corpo masculino possui níveis mais elevados desse hormônio comparado ao corpo feminino. Por mais que em animais a testosterona tenha forte ligação com comportamentos violentos e agressivos, esta conformidade é muito menor entre os humanos, pois os estudos mostram que há uma infinidade de respostas emocionais de homens frente a este hormônio, isso diz respeito mais a subjetividade do sujeito. Ou seja, neste sentido, o aspecto biológico não serve de embasamento para a origem de comportamentos agressivos e violentos em homens ².  

Apesar dos fatores biológicos desempenharem influências no comportamento de meninos e homens, os estudos apontam que são as interferências sociais que exercem a significativa influência acerca da propensão destes à violência. Os estudos mostram que os meninos desde os seus primeiros anos de vida são expostos a uma normativa que os afastam de seu mundo emocional, dando lugar ao estoico, a dureza e o domínio sobre outros. Em consequência disso, a ignorância emocional os torna despreparados para lidar adequadamente com as suas complexidades interiores. Equivalentemente, os jogos e brinquedos desenvolvidos especialmente para o gênero masculino, e que tem o maior consumo desse público, são os que mais contém conteúdos violentos, como no vídeo-game por exemplo, associando-se aos sinais precoces de comportamentos agressivos².  

Em uma pesquisa realizada em 2019 com 200 homens e mulheres, foi possível verificar que ambos os gêneros sentem a emoção da raiva com a mesma intensidade, no entanto, a forma de lidar com essa emoção se diferencia entre os gêneros: os homens apresentaram maiores dificuldades em conter a sua raiva, apresentando comportamentos considerados agressivos, enquanto as mulheres pareciam ser mais capazes de controlar as suas respostas impulsivas imediatas à raiva (DEVLIN  et  al.,  2019) ². Quando os homens acreditam que sua masculinidade está em ameaça, isto é, sendo vista como insuficientemente masculina, estes tendem a agir de forma ainda mais violenta para afirmar o gênero que lhe foi atribuído ².   

Em outra pesquisa de 2019, em que foram entrevistados quatro homens adultos autores de violência contra a mulher em Santa Catarina, foi possível identificar que os entrevistados não se consideravam pessoas agressivas ou violentas, os quais tentaram justificar seus atos¹, isentando-se da responsabilidade de suas ações.  

Em ambas as pesquisas, nota-se a naturalização do comportamento agressivo em meninos e homens, sendo este, na realidade, produto de uma sociedade que sustenta o discurso preconceituoso e machista que coloca o comportamento violento como condição inerente a figura masculina, favorecendo a irreflexão e continuidade de tal conduta. No qual, diga-se de passagem, essas ações violentas se traduzem, muitas vezes, em crimes, no sofrimento da vítima, do autor e de toda uma sociedade adoecida. Aliás, não é novidade para nós, enquanto sociedade, olharmos nos noticiários que um homem praticou algum tipo de violência, como o feminicídio, a violência contra a mulher, contra outro homem e a si mesmo, “pois o ser homem e violento são características que se complementam aos olhos da sociedade” (PRETTO, 2020) ².  

Diversos autores, como Honneth (2003), Fraser (2007) e Butler (2015), trazem que o ser humano busca, como uma necessidade, o reconhecimento, o ser reconhecido. Essa condição só é possível e só pode ser suprida a partir do olhar de outro. Ainda segundo a última pesquisa citada, os discursos dos entrevistados mostravam que eles queriam ser vistos como um comandante, aquele que protege e exerce controle, o “macho”¹. Assim, pergunto: como você, homem, gostaria de ser reconhecido? 

Contudo, podemos concluir que a relação entre os comportamentos violentos e o gênero masculino é parte de uma representação social, capaz de sofrer mudanças, ressignificações e transformações. Por isso a importância de refletir e pensarmos acerca dos papeis de gênero na nossa sociedade e seus efeitos, de modo a proporcionar uma lida mais saudável do sujeito para consigo mesmo, com o mundo, com o outro e com a sociedade. Para finalizar, os comportamentos agressivos e violentos apenas tonam-se condições inseparáveis do homem enquanto as pessoas fecharem os olhos para a respectiva problemática, reproduzindo à educação de meninos e meninas com base no machismo, fortalecendo a estrutura desse sistema, e conformando-se com os atos violentos dos homens na fase adulta, o famoso “passar pano”.   

Referências bibliográficas:  

¹GARCIA, Ana Luíza Casasanta; BEIRAS, Adriano. A psicologia social no estudo de justificativas e narrativas de homens autores de violência. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 39, 2019. 

² PRETTO, Daniel Borgonovi. Papeis de gênero e a violência: os fatores socioculturais determinantes para com a contextualização da criminalidade masculina. 2022. 

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