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A arte da escuta: você está me ouvindo?

Escutar é uma arte


16 de dezembro de 2022 por
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Psicóloga Bianca B. Pan Lopez, graduanda em Psicanálise – CRP 12/22421

Quando pensamos na escuta podemos considera-la como algo fácil, prático e conhecido por todos nós, dada a nossa habilidade humana de comunicação e interação com o outro. No entanto, a habilidade da escuta de qualidade não é inata, só se faz possível a partir do momento em que se aprende a escutar. Representada pelos ouvidos, a escuta está muito mais associada a um órgão sem corpo, o qual exige sair de si para retornar para si. Se a escuta de qualidade não é inata, mas aprendida e construída, você, em algum momento de sua vida foi ensinado (a) a escutar? Como você escuta? Quais são as estratégias, técnicas ou recursos que você utiliza para escutar? Qual ferramenta você utiliza para chamar sua própria atenção para o silêncio no meio de uma conversa? Qual o parâmetro que você usa para interromper o fluxo de uma conversa? Bom, quem sabe agora começamos a perceber que a prática da escuta talvez não seja tão fácil assim.

O referente texto não tem como objetivo te apresentar técnicas ou passos metodicamente listados para que você os siga, como se houvesse uma fórmula mágica de escuta, ou como se ela fosse um processo universal e mecânico. Não, ao contrário, serão apresentadas reflexões, com base nos autores Dunker e Thebas, para que você, leitor ou leitura, encontre um modo de escuta que lhe seja autêntico e próprio, considerando seu contexto, histórico de vida e o seu jeito singular. Então, escuta só…

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O lugar da escuta é entendido por muitos como um lugar passivo, daquele que apenas recebe a informação, porém, a escuta precisa ocupar um lugar ativo, em que se busca entender além do pronunciado, uma atenção direcionada ao outro como forma de alcançar a compreensão do conteúdo da mensagem, os sentimentos e emoções envolvidas, o não falado por meio das palavras e o contexto em que ela ocorre. A escuta ativa envolve a capacidade e vontade de se compreender a mensagem completa. Aliás, cabe destacar que a maior parte dos conflitos ocorrem pela falta ou falha da comunicação, e a escuta possui um lugar essencial dentro desse processo².

Para além de um lugar ativo, a escuta também é um lugar arriscado¹. Escutar sobre os sentimentos de outra pessoa exige responsabilidade, uma vez que nem sempre sabemos como lidar com o que a outra pessoa sente, e o sentimento do outro gera também sentimentos em nós. Quando ocupamos o lugar de escuta não temos controle sobre o que pode vir a ser dito, o impacto e afeto que isso terá em nossas vidas. O reconhecimento do lugar de escuta como um local de risco por vezes está tão enraizado (porém não consciente) em nós, que optamos em diversos momentos por não escutar o outro, ignorando ou negando-o. Entretanto, essa defesa não se mostra efetiva a longo prazo, pois ao invés de utilizarmos a escuta também como um lugar possível de cura, vivemos como fugitivos incapazes de olharmos e lidarmos com nossas dores e sofrimentos. Será que vale a pena? Por isso, te convido a se arriscar, mas se arrisque com cuidado.

Até o presente momento, falei da escuta dentro de uma relação Eu-Outro, no entanto, anterior a esse caminho, há uma relação de escuta primordial que facilitará as demais trocas sociais: a escuta de si mesmo. Escutar a si com toda extensão do que isso significa, incluindo as vozes e sentimentos indesejáveis e inadequados, aquilo que gostamos e desgostamos de nós mesmos. Assim, “escutar-se é desconhecer-se, despir-se do conhecido e das inúmeras versões que fazemos e refazemos de nós mesmos”¹. Posto isto, agora sim podemos dar continuidade na relação Eu-Outro. Então, vamos lá!

Notório é quando nos deparamos com alguém que não nos escuta de fato em uma conversa, correspondendo as características como: a) aquela pessoa que fala “se eu fosse você” como se tivesse sua vida, família, criação, e afins; b) quando contamos algo de ruim que nos ocorreu, mas a pessoa começa a falar que algo pior lhe aconteceu; c) a pessoa que trata o seu sofrimento como algo facilmente solucionável, como que uma pequena mudança de perspectiva resolveria tudo; d) aquela pessoa que se coloca como melhor do que você, como quando você lhe conta algo de bom, e esta prontamente te responde as coisas boas que estão lhe ocorrendo também; e) aquela pessoa que, resumidamente, sua fala é “bem que te avisei”, incrimina e julga o que você diz; f) a pessoa extremamente empática, em que tudo o que você diz ela responde “aham” com feição de compreensão, etc. Pode ser que ao final desse parágrafo você identifique pessoas próximas a você, como família e amigos, ou até a si próprio dentro dessas características¹.

Oposto a isso, um caminho interessante para a escuta ativa são os quatro “àgas: Hopitalidade; Hospital; Hospício; e Hospedeiro. Vamos embarcar nessa viagem… Quando nos permitimos, hospitaleiramente, acolher a voz do outro que ecoa em nós mesmos, em seguida, buscarmos entender a demanda, as preocupações, pedidos, intenções, o conteúdo comunicado, em uma perspectiva de cuidado, como em um hospital, e assim, a loucura necessária e particular de cada um se tome por ocasião, possuindo a liberdade de fluidez, para que por fim nos tornemos hospedeiros de uma experiência que se completa ao passarmos adiante, o que carregamos a partir dessa vivência e conseguimos coloca-la para outros também¹, temos a possibilidade de viver diálogos mais francos, honestos, saudáveis e cheio de significados, uma passagem enriquecedora.

Por fim, escutar é uma arte, como uma ponte de acesso ao conteúdo do outro, seus pensamentos e sentimentos, é se fazer presente, atento e consciente, é se permitir ter o contato com o diferente. É um lugar de aprender, acolher, significar, ressignificar, e se abstrair. Uma tarefa árdua de educação, empatia, esvaziamento dos próprios julgamentos, de espera e paciência. Qualidades que ouso dizer que valem a pena o esforço. Finalizo te agradecendo por me ouvir. Obrigada! 

Referências bibliográficas:

¹THEBAS, Cláudio; DUNKER, Christian. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. Planeta Estratégia, 2021.

²GIMENEZ, Charlise Paula Colet; DOS SANTOS TABORDA, Alini Bueno. A escuta ativa e a alteridade como pressupostos para a liberação do perdão pela mediação. Revista Em Tempo, v. 16, n. 01, p. 206-222, 2018.

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